quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Rotina ou Repetição

A diversão e o bom ambiente no treino deverão ser norma

Não será a primeira vez que ouvimos ou lemos um treinador dizer que o seu método de treino sempre teve resultados. E que por isso não entende porque as "coisas não saem".
Ora, o problema residirá muito, provavelmente, no método de treino.

Em primeiro lugar, as circunstâncias mudam. Há 10 anos, aquele que era um treinador forte necessita continuar a evoluir e a formar-se diariamente para se manter forte daqui a 10. Ou simplesmente para evitar o esquecimento.
Em segundo lugar, os clubes representam o contexto apropriado à prática. Se há treinadores que resultam numa estrutura mais forte, há outros que necessitam da adversidade e da pressão diária para se tornarem mais competentes, isolando o grupo.
Em terceiro e no principal, os jogadores são hoje totalmente diferentes. A personalidade, o conhecimento, os anos de prática tornam o jogador um objeto muito mais complexo de satisfazer. E isso evoluirá necessariamente um bom treinador. 

Agora, centrando o nosso objeto de estudo. Então porque as fórmulas não resultam sempre? Porque os exercícios específicos e meta-específicos não funcionam de forma idêntica, especialmente na formação? Bem, logicamente porque os intérpretes, os atletas não são os mesmos. Podemos dar-nos ao luxo de trabalhar com conceitos complexos, com jogos de setores rebuscados com crianças de 9 anos que tenham uma base sólida e poderemos ser limitados com atletas de 12 anos por estes desconhecerem o conceito de receção orientada.

Daí que seja fulcral adaptar à realidade e à competência base dos praticantes, sem saltar etapas. Por rotina entendemos toda a ideia de jogo, as regras de conduta, os momentos do jogo, as competências individuais e coletivas a alcançar a curto, médio ou longo prazo. Por repetição entendemos o sistematizar uma ideia ou um processo através do mesmo exercício. E é neste ponto que é vital haver uma consciência prática do exequível. 

Procurar estabelecer regras de organização de treino, estimular as mesmas competências durante várias semanas é altamente imperativo e desejável. Mas isso nunca pode significar que se repita o mesmo exercício. Justamente porque este resultava no Benfica ou no Sporting.

Há dias discutia-se a defesa que um treinador da formação de um clube grande fazia e que isso era universalmente competente. E que continuava a não perceber porque não resultara num clube dito pequeno.
A resposta está no tempo de prática e no talento individual. Um atleta dessa equipa grande teria 3 anos de prática e um dom já minimamente potenciado. Por outro lado, a equipa de menor dimensão era forçada a competir com jogadores menos hábeis e com 6 meses de prática. Sem milagres, mas acima de tudo sem utopias. Mais do que promover a repetição de exercícios que deram resultado, dever-se-ia apostar nas rotinas de competências básicas individuais e nas de organização coletiva para poder exponenciar a adaptação à realidade e ao contexto.

As crianças não jogarão sempre com apoios em jogo, nem deverão fazer sistematicamente uma combinação direta padronizada. Devem sim aprender a levantar a cabeça e perceber o espaço livre para atacar. Uma criança que repete 4 vezes o mesmo exercício desmotivará e não se empenhará na tarefa (a não ser que este seja lúdico). Portanto, por mais fantástico e digno de um Guardiola que seja o exercício, o treinador deverá arranjar objetivos diferentes, condicionantes específicas que aumentem a complexidade e o interesse no mesmo.


domingo, 10 de janeiro de 2016

Vallecas e a Formação em Portugal


Nos diversos sítios por onde vou fazendo as minhas leituras, existe um onde os seus frequentadores falam frequentemente de uma equipa. Não é um colosso, nem sequer um grande, é um pequeno que joga como um grande.

Em Vallecas mora uma equipa sem complexos, com uma ideia definida, uma ideia que é posta em prática seja contra o Sabadell ou contra o Real Madrid, é uma equipa que procura jogar o jogo pelo jogo, ter bola, sair a jogar, procura marcar e não só não sofrer. Joga de igual modo contra o Espanyol e ganha 3-0 como contra o Real Madrid e perde 10-2. Mas há algo que o seu treinador não muda, Paco mantém se fiel aos seus princípios e as suas ideias. E dessa forma o seu Rayo Vallecano vai sendo dessa forma uma das equipas mais faladas e que mais gosto dá de ver jogar a quem os vê.

O que é que o Rayo, uma equipa profissional da Liga Espanhola tem então a ver com a formação em Portugal? Nada, ou tudo depende da perspectiva! O Rayo é uma equipa pequena, sem grande orçamento, onde a qualidade individual é pouca (ou muito pouca). É uma equipa que tem muito a perder, se descer de divisão perde montes de dinheiro, perde montes de visibilidade, perde tudo e mais alguma coisa. Mas não arranja desculpas, joga com o que tem, vai perdendo vai ganhando, mas vai se mantendo sempre como é o seu objetivo, e o mais importante, vai trabalhando o que tem de forma a manter a sua ideia de jogo, trabalha até à exaustão.

Em Portugal, no que toca à nossa formação, e pelo eu fui vendo até hoje passa se exatamente o contrário. Tudo é desculpa para a derrota, para justificar uma não vitória. Muitos dos treinadores da formação olham para a sua equipa não por aquilo que ela é (equipa de formação) mas sim por aquilo que queriam que já fosse (seniores profissionais). Muitos estão mais preocupados com os resultados do que com o processo. Quando não temos uma equipa individualmente tão forte como gostaríamos tudo serve de desculpa. Tudo menos o nosso processo de treino.

Queixamos nos que a nossa equipa falha passes e receções básicas, mas “passamos” os treinos a trabalhar combinações e circulações táticas xpto em vez de criarmos situações que favoreçam a aprendizagem desses gestos técnicos tão básicos. Queixamos nos de sermos fisicamente inferiores, mas não procuramos dotar os nossos jogadores de maneiras de fugir a essa diferença física. Muitos poderiam ser os exemplos dados e muitas as justificações, mas seriam apenas isso, justificações.

O grande problema no meio disto tudo é que devido a essa inferioridade técnica/física, em vez de nos preocuparmos com o tal processo, o de aprendizagem do jogador, de forma a garantir a evolução do jogador de forma a criar condições para enfrentar todas as adversidades, preocupamos nos mais em trabalhar algo que nos aproxime mais da vitória esquecendo de por a nossa equipa a tentar jogar e os nossos atletas a desfrutar. De forma a evitar erros por parte dos jogadores castramos a sua criatividade e “proibimos” que estes façam algo de diferente, que joguem, que brilhem. Optamos por os obrigar a colocar a bola rapidamente mais perto da outra baliza, sem critério, chutão para a frente de forma a afastar o perigo da nossa baliza. Utilizar todas as formas de ganhar, sem ser aquela que deveríamos procurar, Jogar!

Esta mentalidade faz me confusão, se uma equipa profissional com tudo o que tem a perder e com toda a pressão inerente opta por valorizar o espetáculo e o jogador porque é que nós na formação, sem pressão dos resultados (teoricamente obvio…) optamos por desvirtuar o contexto em que estamos inseridos?

Olhemos para Vallecas, para o Rayo e para Paco como os reais exemplos a seguir, e seguramente no futuro teremos atletas evoluídos e capazes de se adaptarem a todos os contextos, alem de que haverá também a valorização do treinador, que para muitos parece ser a principal preocupação com o seu trabalho na formação.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Porque razão os outros guarda-redes são superiores aos meus?

                    

Não raras vezes, avaliamos os nossos pequenos projetos de jogadores como estrelas. Contudo, quando olhamos para o adversário, por vezes indubitavelmente superior, descemos à Terra e mostramos desdém por não ter aquela qualidade ao dispor. Mas será que a qualidade por si só deriva do dom e do mérito do praticante?

O caso dos guarda-redes é paradigmático. Quantas vezes cobiçamos um guardião que jogue bem com os pés? Que tenha 20 centímetros a mais para a idade que apresenta? Não paramos a nossa avaliação comparativa ao que temos e, muitas vezes, passamos a angústia para a nossa equipa e para a posição específica, convencendo o miúdo de que o adversário é naturalmente melhor, independentemente do que ele possa fazer. Nada mais errado, afirmo.

A posição de guarda-redes é das mais específicas em campo e das que, provavelmente, exija maior força mental, dom inato e capacidade de adaptação. Um bom guarda-redes conhece a realidade de que pode não ter trabalho num jogo e ser espezinhado no jogo seguinte por erros que comprometam a vitória. Mesmo que antes de todos esses erros toda a equipa tenha falhado. 
A questão é que a dose de loucura de ir para a baliza deve ser encorajada. Sem acreditar que a pressão dos treinadores molde o atleta em direção a um caminho positivo, somos ainda mais veementes em salientar que o guarda-redes deve ser o elemento a receber feedbacks explicativos, nunca na comum opção de crítica e aquela frase que todos nós já ouvimos: "Este guarda-redes não apanha uma."

Mas então porque não evoluem os guarda-redes de acordo com o nosso padrão de crescimento coletivo? A ideia de jogo do treinador, o modelo coletivo, as regras de conduta são focos de atenção para os técnicos. Queremos acreditar nisto, pelo menos. No entanto, quando os guarda-redes não possuem um elemento da equipa técnica destinado a estes, acabam por ficar excluídos da ação do treino.

Quando nos queixamos da dificuldade que o nosso guarda-redes tem nos remates de ressaca, talvez seja porque nunca fizemos um exercício de reação após defesa. Se o nosso guarda-redes de Benjamins tem dificuldade na ocupação racional de espaço, isso pode dever-se a estar habituado a defender a baliza da escola e estar ciente de que no meio consegue defender bolas laterais. Um pormenor tão fundamental  como a cobertura dos postes e a basculação consoante ataque adversário podem acabar com aqueles golos a que os treinadores costumam definir de "ele não tem queda para isto".

Mas o transcendente surge nas saídas e no jogo com os pés. Se um guarda-redes não domina receção e passe, talvez seja porque ele não participa em rabias, em jogos reduzidos, em exercícios de coordenação simples. Daí que se defenda a passagem por todas as posições até aos 12 anos de idade. Quantas vezes a saída de bola corre mal porque depois do passe, os treinadores riscam a solução de devolver a bola ao guarda-redes? Quantas vezes o guarda-redes tem ordens para colocar a bola em determinado companheiro sem adaptar ao contexto do adversário?

E depois afirma-se que o guardião não sai de forma apropriada à baliza. Será que o treino prevê exercícios de técnica de saída com pés e mãos? Existirão situações de superioridade numérica e de aproveitamento da profundidade? Em suma, falarão sequer com os vossos guarda-redes e encorajarão a sua subida e a cobertura ofensiva quando a sua equipa tem bola?

Tal como em qualquer outra posição, o dom é fulcral, mas o treino aperfeiçoa e faz evoluir. Mas dentro do treino, a especialização e a atenção ao individual do atleta e da posição é a chave para uma perspetiva futura mais risonha para o atleta. Colocando em caso prático, se pensarmos na ideia sistémica de jogo um futebol apoiado e de posse, quantos treinadores fazem do guarda-redes um guia de movimentos (alertando para melhores linhas de passe) e um apoio frontal? É urgente que se comece a entender a posição específica e que se comece a trabalhar desde cedo comportamentos que não poderão ser adquiridos quando o atleta for Juvenil. 
O treinador é, na maioria das vezes, o grande responsável pela estagnação de um guardião.  

sábado, 2 de janeiro de 2016

A intervenção do Treinador!



Não vai à muito tempo alguém me questionou acerca da minha postura no treino e nos jogos da minha equipa. Questionaram a minha pouca intervenção no decorrer do treino e até comentaram que o meu treinador adjunto mandava mais na equipa que eu porque no decorrer do jogo falava mais para o campo que eu.

Fui a refletir no caminho para casa sobre isso e dei para comigo a questionar até onde vai a real necessidade de dar feedback para dentro do “terreno”. Ou melhor, qual a necessidade de estar constantemente aos “berros” para dentro do campo. Que influencia tem isso na prestação dos jogadores?

É importante o feedback? Sim, claro que sim, isso está bem definido na minha cabeça. Mas quando? Qual é a necessidade de estar constantemente a fazer-me ouvir durante o jogo/treino? “BORA, BORA”, “ISSO, ISSO”, “VAMOS, VAMOS”, etc, etc.

Qual é o beneficio de dar feedback assim que o jogador falha a 1ª vez? Melhor, qual o beneficio de parar um exercício inteiro aos berros quando um único jogador está a falhar? Será benéfico estar constantemente aos berros nos jogos/treinos e dizer absolutamente nada? Inibir os nossos jogadores de tentarem algo sem temerem levar um berro por errarem?

Em termos de treino procuro sempre ser exigente com os jogadores e espremer ao máximo as suas capacidades. Apesar disso não sou adepto de para mostrar “trabalho”, empenho no treino ou exigência, andar o treino todo aos gritos, seja a dar feedback, reforços ou o que quer que seja.

Em termos de feedback, no treino, a não ser que seja algo coletivo, procuro sempre chamar à parte quem está a falhar. Procuro que seja ele a perceber o erro que está a cometer e a melhor forma de o ultrapassar. Procuro que seja ele a descobrir o caminho por ele, em vez de lho ser eu a dar com os tais gritos para toda a gente ouvir. Ter uma conversa com ele, só com ele e não com o mundo que nos rodeia. Acredito que é muito mais benéfico para o jogador ter este feedback “ à parte” ao invés de o sujeitar à desconfiança dos seus pares e mesmo de quem está a assistir ao treino. Tento também não dar feedbacks desnecessários, se o exercício estiver a correr bem deixo o exercício rolar, sem grandes alaridos, deixo os jogadores desfrutarem do que estão a fazer pois eles sabem que o estão a fazer bem, que estão a cumprir, caso contrário estariam a ser corrigidos. Caso haja uma paragem, ai sim, dou uma palavra coletiva ou individual, de apreciação ou incentivo, dependendo do contexto.

O jogo é outro caso caricato que tenho observado. Parece haver uma necessidade de alguns treinadores mostrarem serviço e que percebem o jogo estando constantemente a falar para dentro de campo a relatar o jogo. Alguns até parecem estar a jogar Playstation. No meu entender, e pelo que tenho observado, falar constantemente para dentro de campo, estar sempre a passar mensagens aos jogadores, seja incentivo ou feedback, positivo ou negativo, faz com que eles errem muito mais e que tenham muito mais medo de tentar o que quer que seja (e para os inibir já chegam os muitos pais que estão nas bancadas). Na minha opinião é mais prejudicial que benéfico. Gosto de os deixar desfrutar do jogo tal como no treino, dar-lhes espaço para errar e aprender em competição, experimentar o que quiserem e não condiciona-los com a minha voz. Não quero que estejam constantemente à espera que eu lhes diga o que têm de fazer, qual o caminho a seguir, quero que o procurem e descubram por eles qual a melhor opção, quero que escolham uma opção por eles, porque acham que é a melhor, porque foi o que aprenderam durante a semana, e não porque eu disse que aquela era melhor.

Assim procuro também eu desfrutar do jogo dos “meus miúdos”, vê-lo caladinho no meu canto, desfrutar do meu/nosso trabalho durante a semana e ver se é bom ou mau, gosto de ver e apreciar o meu/nosso trabalho em paz e sossego.

Se eles precisarem de mim eu vou lá estar, e dar os meus feedbacks, incentivos ou reprimendas, mas não vou fazer disso um espetáculo dentro do espetáculo. Eles sabem que lá estou para isso, e eu sei que é importante para eles que lá esteja, e que tenha uma palavra para eles, mas no momento certo e não a todo o momento.


Até onde vai afinal a (boa) intervenção do treinador?

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Apresentação

A trabalhar neste momento no Futebol de Formação pretendemos com este Blog dar a conhecer um pouco do nosso trabalho, identificar e procurar encontrar soluções para os diversos problemas que vamos encontrando ao longo do processo e essencialmente promover uma troca de ideias e conhecimentos com os diversos agentes inseridos neste "mundo".

Temos uma ideia clara do que queremos e tentamos não desviar desse caminho. Queremos os nossos atletas confortáveis com a bola e sem medo de a ter. Queremos que usem e abusem da sua criatividade e damos liberdade total para isso, para errar e aprender, para conhecer o jogo, jogar com as suas qualidades e defeitos e conjuga los com as dos seus colegas. Essencialmente queremos ter a bola e desfrutar do jogo a partir dela.